MEMÓRIAS - O FUTEBOL DA ACADÉMICA QUE CHUTOU A DITADURA
RECORDAR É VIVER - Uma crónica de 2004 revivendo a "final de 69"
À medida que o tempo passa há mais satisfação e orgulho em dizer eu estive lá. A explicação é de António Pedro Pita, filósofo e professor da Universidade de Coimbra, um dos espetadores do jogo da final da Taça de Portugal em 69. Ontem, ao fim da manhã, voltou a assistir ao jogo entre Académica e Benfica, agora em veteranos, equipas que estiveram nessa final do Jamor o que constituiu o maior comício português de antes do 25 de Abril de 74.
Os dois emblemas reencontraram-se para recordar essa final de Taça e para comemorar o 17 de Abril de 1969. Há 35 anos o presidente da Direção Geral, Alberto Martins, pediu para falar na inauguração do edifício das Matemáticas (PEÇO A PALAVRA). Não foi autorizado pelo então Presidente da República. A resposta foi ser preso nessa noite pela polícia política. Em solidariedade foi decretada pelos seus colegas greve às aulas e o luto académico.
A Ditadura, a Polícia Política, o País Quietinho desassossegaram-se e o futebol, inesperadamente, fintou a censura e a opressão. A Académica eliminou o Sporting e chegou à final da Taça.
Frente aos leões A BRIOSA jogou de branco. E até houve uma explicação: "Jogámos de branco por causa do calor" explica o médico Vítor Campos um dos finalistas.
Estratégia ou não o Futebol da Académica marcou o LUTO e deu mote à LUTA.
Batidos os leões a Briosa chega à final com o Benfica. O Governo, que já tinha fugido sob um coro de apupos do ato de inauguração da agora denominada sala 17 de Abril (EDIFÍCIO DAS MATEMÁTICAS) proibiu a transmissão pela televisão do jogo e obrigou a Associação Académica a equipar como habitualmente, isto é, de preto (deste modo a AAC não podia mostrar a faixa negra do luto). Os atletas, porém, entraram em campo com as capas caídas em sinal de luto. E, como era de esperar, o Presidente da República não compareceu à final.
Deste modo o futebol chutou contra a Ditadura: nas bancadas do Jamor milhares de adeptos da Académica empunharam cartazes de protesto alguns exigindo melhor Ensino e melhor Universidade, Universidade para Todos.
O jogo foi uma forte manifestação contra os poderes de um regime fascista a entrar em decadência, mas que obrigou a incorporar nas fileiras do exército muitos universitários os quais ganharam gradualmente consciência política e cunho reivindicativo que transportaram para os quartéis e para a guerra colonial. Foi a génese do 25 de Abril.
Ontem, no jogo-efeméride, num golo de Dimas, o Benfica bateu a Académica por 1-0. Do que fica do jogo de veteranos comemorativo do 17 de Abril, da Crise Académica de 69 e também da Final da Taça de Portugal do Jamor, são avulsas declarações de quem nele participou ou assistiu:
“Um dos momentos mágicos do movimento estudantil português” – diz José Belo antigo lateral da Briosa.
“Essa final foi o desporto colocado ao serviço da Liberdade e da Cultura”, adianta Carlos Carranca, poeta.
“A Secção de Futebol da Académica teve um importante papel na divulgação da crise académica na sociedade “ comenta o jovem historiador João Belo.
“Fomos os maiores divulgadores do mal estar que existia então na sociedade portuguesa” sustenta o ex-jogador e advogado António Marques atual presidente do Núcleo de Veteranos da Briosa.
“Ficou-nos o exemplo de uma Geração de Ouro” – observa Miguel Duarte, atual presidente da Direção Geral da Associação Académica.
“Este reencontro é fabuloso por evocar situações históricas, sentimentais e profundas de um país, isto ainda parece um sonho”, expressa o eterno CAPITÃO da Académica Mário Wilson.
No limiar do Euro 2004 e dos trinta anos de Abril é curioso recordar como o futebol da Associação Académica fez tão bem ao Progresso e à Liberdade.
Nesta memoriosa jornada faltou apenas o Carlos Pinhão, jornalista de A BOLA, para rematar o relato da evocação escrevendo: Ai Ai Que Saudades!
Sansão Coelho - crónica de 2004
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