DOIS TEXTOS DO DR. TOCHA COELHO: 1.NO CENTENÁRIO DE SARAMAGO 2. SITUAÇÃO POLÍTICA EM PORTUGAL


NO CENTENÁRIO DE  SARAMAGO

E SITUAÇÃO POLÍTICA EM PORTUGAL 


DOIS TEXTOS COM A ASSINATURA 

DO DR. JORGE TOCHA COELHO



No centenário de Saramago

A Comunidade de Leitores da Biblioteca Municipal da Figueira da Foz começa este mês a homenagear José Saramago, no centenário do seu nascimento ocorrido a 16 de novembro de 1922, antecipando, assim o início do tributo devido à sua obra, com a leitura mensal de um livro do nosso Nobel da Literatura, tendo sido escolhida, para o efeito, a obra Todos os Nomes. O seu primeiro romance, Terra do Pecado, editado pelo Editorial Minerva Lisboa, escrito em 1947, num anacrónico registo com referência ao realismo-naturalismo de Oitocentos pelo que passou despercebido. Depois deste, Saramago continuou a escrever e a publicar romances, contos, poesia e até teatro, sendo que alguns dos seus contos saíram em revistas prestigiadas de então como a Seara Nova ou a Vértice. Depois de passar quase 20 anos sem publicar qualquer livro, Saramago fez sair Os Poemas Possíveis pela Portugália Editora, na prestigiada colecção “Poetas de Hoje”. Esta obra é considerada um marco na escrita de Saramago, pois a partir deste título começou a escrever crónicas habituais para o jornal A Capital e noutros títulos da nossa imprensa. Entre as obras que saíram da pena do escritor, desde então, há referências que merecem uma especial atenção, como o romance O Memorial do Convento, publicado em 1982, considerada a sua obra-prima e que lhe mereceu o prémio literário do PEN Clube e do Município de Lisboa. Em 1984 é dada á estampa o romance O Ano da Morte de Ricardo Reis, que recebeu o prémio Dom Dinis, da Fundação Casa de Mateus e o do PEN Clube Português, tendo ainda visto o seu talento reconhecido pelo Centro Portugueses de Críticos Literários com a atribuição de um prémio pelo conjunto da obra. Em 1991, saiu á luz do dia o romance O Evangelho segundo Jesus Cristo tendo a obra sido vetado pelo governo do PSD através de Sousa Lara, Secretário de Estado da Cultura, então dirigida por Santana Lopes. O romance destinava-se a ser candidata ao Prémio Literário Europeu. A razão do veto derivou do facto do Governo de então, de Cavaco Silva, considerar que o livro seria ofensivo para o catolicismo do povo português. Esse veto deu maior projeção à sua figura de escritor, tendo a sanção atribuída levado a que a obra fosse um elemento precioso para um maior conhecimento da sua figura literária no estrangeiro.

A sua forma de escrever, abordando diversos temas de relevância para a humanidade levou a Real Academia Sueca a distingui-lo, em Outubro de 1998, com o Prémio Nobel da Literatura: para o efeito também contribuiu a conduta do governo português através com veto ao romance que foi um elemento precioso para um maior conhecimento da sua figura literária no estrangeiro. Em 1995 recebeu o Prémio Camões pelo conjunto da obra, tendo sido lançado, em 1997, o romance Todos os Nomes. Em Fevereiro de 1993, agastado com a intolerância demonstrada pelo governo português, decide ir viver para Lanzarote, uma das ilhas das Canárias, território espanhol onde faleceu anos mais tarde. O seu exílio voluntário não abrandou a sua capacidade de escrita tendo publicado diversas obras, entre elas Os Cadernos de Lanzarote que, reunidos em 5 volumes, é um marco importante para compreender a sua biografia e obra. Saramago foi sempre um homem que não se conformou com injustiças tendo até, embora fosse comunista, criticado, em Abril de 2003, num artigo publicado no jornal El País, o regime cubano devido ao fuzilamento de três cidadãos que haviam sequestrado um barco para fugir para os Estados Unidos e também contra o facto de não concordar com processos jurídico-políticos dúbios contra mais de setenta dissidentes anticastristas. Também encabeçou uma manifestação de meio milhão de pessoas em Madrid contra a Segunda Guerra do Golfo que hoje é reconhecida como tendo sido uma fraude belicista de George Bush, Sílvio Berlusconi, Aznar e Durão Barroso. Na realidade, o Iraque de Saddam, não armazenava armas proibidas.

Em 18 de Junho de 2010, o escritor falece, aos 87 anos, na sua casa de Lanzarote tendo o corpo sido transladado para Lisboa onde dezenas de milhares de pessoas se associaram ao velório e á cerimónia de inumação das cinzas. A sua morte levou a que, em 2011, fossem concluídas obras na Casa dos Bicos, sede da então criada Fundação José Saramago, tendo no espaço circundante, na área ajardinada, depositadas as cinzas do escritor.

Em suma: goste-se ou não se goste do estilo de Saramago, há que reconhecer o seu mérito: as suas obras mereceram projeção internacional e foram traduzidas em diversas línguas. Estão programados no país, a partir de novembro deste ano, diversos acontecimentos literários para homenagear e celebrar o escritor no centenário do seu nascimento, desde conferências a outros atos em que, pode dizer-se, há uma reconciliação entre a memória do escritor e o governo português, o que faz, de certo modo, apagar o ultraje e o vexame que sofreu por mão de um governo intolerante que, em plena democracia, tentou silencia-lo.

A Situação Política em Portugal

 

Pela primeira vez, desde 1974, após a revolução de Abril, um orçamento proposto pelo governo para o ano de 2022 foi chumbado na Assembleia da República. A situação não deixa de ser estranha, pois o projecto, apresentado pelo Partido Socialista (PS) era, segundo o comum dos portugueses, nos quais me incluo, um orçamento, dentro do condicionalismo em que o país vive por força da pandemia, o mais avançado dos que até então foram apresentados: não deixa de ser estranho que o Bloco de Esquerda (BE) tenha votado contra, alegando que não foram satisfeitas 9 pretensões desse agrupamento político, quando 8 delas não era matéria para ser incluída no projecto apresentado no parlamento. Por sua vez, o Partido Comunista (PC) disse que faltou um pouco, no esticar da corda, pois votou contra por não ter sido incluída uma reivindicação sobre o aumento do salário mínimo nacional. Deste modo, o presidente da República marcou as eleições para 30 de Janeiro de 2022, numa altura em que os partidos da direita, PSD e CDS atravessam convulsões internas. No primeiro agrupamento há uma luta entre Rio e Rangel para o cargo de presidente. No CDS-PP, Rodrigues do Santos tem contra si grande parte do partido, e entre os seus adversários está Nuno Melo que pretende o cargo. A conduta de Marcelo parece não ter agradado alguns partidos pois, no entender deles, havia a possibilidades de encontrar outras soluções tais como a apresentação de outro orçamento ou a manutenção das despesas mensais no regime de duodécimos. O país parece estar num exercício de loucura pois, pela primeira vez, aparecem movimentos radicais que apresentam programas impróprios numa democracia adulta, como é o caso do CHEGA. Há quem diga que o PS acabou por ser beneficiado por esta decisão do presidente da República, uma vez que não parece haver uma possibilidade dos partidos da direita se apresentarem com força suficiente para levar os eleitores a votarem neles.

Numa situação em que as feridas ainda estão bem vivas causadas pela Covid-19, este acontecimento surgiu “contranatura” pois até á data da formação de um novo governo muita água vai correr pelas pontes. E não é demais realçar que os espetáculos de outdoors espalhados pelos diversos locais onde se disputam os votos, além de serem poluentes, pouco adiantam. Haverá o habitual cenário das entrevistas, quer na rádio, nos jornais e na televisão em que todos se comprometem a dar o seu melhor para melhorar a saúde e economia dos portugueses e dar alegrias ao povo. Esses espetáculos são um sorvedouro de gastos que enfraquecem ainda mais a situação em que vive o país. A data de 30 de Janeiro do próximo ano foi, segundo o presidente, a escolhida para não perturbar a tranquilidade da quadra festiva que aí vem, o Natal e o Ano Novo, mas esse argumento não parece ser de grande relevância na medida em que, se as eleições fossem marcadas para 16 de Janeiro do ano próximo, tal facto não iria interferir na campanha eleitoral na medida em que 2 ou 3 dias de feriado não são argumento suficiente para adiar a solução do problema. Há quem pense, e parece que com certa razão, que o PS vai continuar a ser o partido com mais votos mas não se pode esquecer que as outras forças, quer de direita quer de esquerda, e depois a arrumada das casas do PSD e do CDS-PP, podem não conseguir uma convergência de votos para obter a maioria, e há quem diga que o CHEGA com o seu programa anti-sistema, no canto da extrema-direita, pode ganhar mais votos e tornar-se a terceira força política a seguir ao PS e ao PSD. Esse fator pode não ser estranho, pois a linguagem usada por André Ventura, o líder do CHEGA, ataca certas situações que os crédulos aceitam, tais como ataque aos cidadãos de etnia cigana e a violência nos bairros degradados que leva ao reforço das medidas policiais para assegurar a paz pública, sem esquecer também, os ataque às liberdades fundamentais num exercício perfeito de demagogia. Aliás, a Europa neste período em que o vírus pandémico parece não querer deixar de atacar as pessoas, vive uma situação incerta e difícil, como é o caso da França, onde vai ser disputada a eleição presidencial, da Alemanha onde nenhum partido conseguiu maioria absoluta e onde a crise pandémica está reforçada, sem esquecer ainda a Polónia e a Hungria onde a extrema-direita ganhou força. Por sua vez a humanidade vive problemas dramático com os acidentes climáticos que podem colocar em perigo as pessoas e os bens, pois a poluição está a ganhar terreno de dia para dia.

Vamos ver o que nos reserva o futuro que, creio, não será muito risonho.   

Jorge Tocha Coelho


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