O NEGÓCIO DOS SUBMARINOS - TEXTO DO DR. JORGE TOCHA COELHO
ESCREVE O DR. JORGE TOCHA COELHO
O NEGÓCIO DOS SUBMARINOS
A Austrália tinha um contrato com a França com vista à compra de submarinos convencionais. No entanto, sem conhecimento prévio deste país, os Estados Unidos o Reino Unido e a Austrália tornaram público, a 15 de Setembro, um acordo no sentido da venda de submarinos de propulsão nuclear à Austrália, com vista a contrariar a expansão da China no Pacífico. No entanto, a França só soube do facto quando o acordo estava firmado, pelo que se sentiu traída, como se tivesse levado uma “facada nas costas”. Foi sobretudo um golpe duro, revelador dos riscos a que se expõem as potências que se aventuram acima das suas capacidades, como foi o caso desta traição feita a um país que até ao momento era um aliado.
Há três lições que se podem tirar da nascença do AUKUS, sigla dada ao novo pacto de segurança sobre a base do acrónimo Austrália-Reino Unido-Estados Unidos. A primeira tem a ver com a relação transatlântica. Para os que ainda duvidavam, a administração Biden não difere, neste ponto, da administração de Trump, só com a diferença de que este presidente não usa Twitts ; “Os Estados Unidos passam por cima de tudo desde que se trate dos seus interesses estratégicos, económicos, financeiros ou sanitários “ A América primeiro” continua a ser linha orientadora da política exterior da Casa Branca. Os países que criaram o AUKUS afirmam que o acordo não foi dirigido contra a França o que demonstra um refinado cinismo pois não tiveram qualquer escrúpulo em humilhá-la, mas este facto não tem qualquer importância para Washington quando o seu objetivo é usar linhas de defesa contra uma eventual ameaça da China. Os que acreditavam nas declarações de fé multilateralistas de Joe Biden e na francofilia de seu secretário de Estado, Antony Blinken, caíram agora na realidade, uma vez que a promessa de uma cooperação mais equilibrada dos Estados Unidos da América só tem efeito quando não estão em jogo os interesses deste país.
A segunda lição diz respeito a
Londres. Para a diplomacia pós-Brexit, este acordo marca uma etapa maior.
Coloca a Grã- Bretanha no cenário indo-pacífico, local em que ela, sozinha, não
seria capaz de chegar. Mas sobretudo leva os Britânicos na roda dos Americanos.
A Grã- Bretanha Global foi encontrada no alinhamento com Washington. A amargura
que tinha explodido nos bancos da Câmara dos Comuns no momento da retirada
americana do Afeganistão, organizada sem consulta com os aliados, presentes no terreno
desde há 20 anos, desfez-se, um mês depois, graças ao AUKUS.
A terceira lição, mais importante e
mais complexa, é dirigida à Europa. Para além da sensibilidade francesa é bem o
lugar da Europa e o seu papel no mundo que se encontram aqui postos em questão.
Quer-se situá-la no alinhamento mundial que se opera à sombra dos conflitos
sino-americanos? Pode ela agir como potência autónoma, ou na realidade os
países europeus vão assistir divididos a este realinhamento, sacrificando toda
a esperança de exercer qualquer influência e defender os seus interesses?
Entretanto, à margem da Assembleia
Geral da ONU, os Vinte-Sete reuniram-se e discutiram a crise dos submarinos. Úrsula
von Der Leyen, numa entrevista concedida à CNN mostrou-se prudente: “ Um dos
estados membros foi tratado de uma maneira inaceitável. Nós queremos saber o
que se passou e porquê”. O ex-primeiro ministro belga, por sua vez, após um
encontro com o presidente francês mostrou-se mais incisivo, no decorrer de uma
entrevista com jornalistas em Nova Iorque, onde declarou: “Uma falta de
lealdade e de transparência da parte dos Estados Unidos. É necessário ter uma
explicação franca com Washington”. Um dos ministros afirmou que no negócio
australiano era a segunda vez que os Estados Unidos não avisavam os europeus,
como sucedeu no caso do Afeganistão.” Isto significa muito claramente que a
América está primeiro como no tempo de Trump.
Neste assunto, os Estados Unidos continuam obcecados pela sua luta contra
a China e a sua estratégia Indo-pacífica: isso não mudou com Biden: “ é a rutura de um contrato brutal, inesperado,
inexplicável” disse o ministro francês dos negócios estrangeiros, Le Drian. A saída do Afeganistão e a criação
do AUKUS mostram que “os americanos estão em vias de recentrar todos os seus
interesses fundamentais numa confrontação com a China”; é de esperar que os
europeus não sejam deixados por conta desta estratégia.
Jorge Tocha
Coelho
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