UM ÚLTIMO SOPRO DE VIDA E DE AMOR - CONTO
CONTO
UM ÚLTIMO SOPRO DE VIDA ...E DE AMOR
Inês está há três semanas internada nos Cuidados Intensivos. As visitas
estão rigorosamente proibidas. Numa primeira fase indiciava estar quase
recuperada da covid-19, porém, de súbito, aumentaram as dificuldades
respiratórias.
Inês perdeu a noção do tempo e o seu arfar doloroso altera-se ruidosamente
quando vê, no corredor, o capelão do hospital de negro vestido. Por contraste,
nuvens brancas com palavras afetuosas povoam os seus olhos e ouvidos. Sente que
a querem confortar. São o capelão de escuro e profissionais de saúde envoltos em fatos de
uma alvura metalizada que parecem retirados de um qualquer filme de ficção
científica ou serão indícios de uma outra vida que nebulosamente envolve o seu
espírito? Inês não quer nem consegue encontrar uma resposta, apenas procura,
num olhar longínquo, ávido e perscrutador, o negro da batina do capelão. Este
surge-lhe à porta da enfermaria e Inês, com a mão, num esforço angustiado, chama
o sacerdote. A aproximação faz-se com cuidado, após a autorização de um
enfermeiro.
-Senhor padre, senhor padre, já falou com o meu Pedro e disse-lhe o que
pedi para lhe contar? – Inês arrastou com dificuldade a parte final da
frase numa fala encadeada.
-Já sim, dona Inês, disse ao seu Pedro que ele foi sempre o grande e
único amor da senhora.
-E ele, senhor padre, ele, o meu Pedro, o que lhe respondeu? - perguntou,
numa ansiedade envolta numa disfonia espasmódica, quase a esgotar-se.
-Ficou muito feliz, sorriu contente e disse que a senhora é e será sempre o
grande e único amor da vida dele.
-Obrigada, senhor padre, muito… obriga…
-O sacerdote ficou perplexo com aquele suspiro que não deixou Inês
completar a frase; preocupado, chamou o enfermeiro, num pedido de auxílio urgente.
…Inês dava o seu último suspiro que deve ter ecoado, suave
e docemente, no coração de Pedro…que ainda sorria….
Sansão Coelho
2021,março,17
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